Machado de Assis versus Guimarães Rosa

Na ânsia da polêmica, blogueiro toma partido na peleja entre Machado de Assis e João Guimarães Rosa, dois de nossos mais célebres autores.

Abreu Ferreira
2 min readOct 22, 2023

É fácil deslumbrar-se com a beleza formal da literatura realista, com suas personagens mais vivas que os vivos e com sua representação aguda das dinâmicas sociais desta ou daquela época, deste ou daquele lugar. Quanto mais a leio, porém, mais me aterra o cinismo que a baseia. Em Balzac, em Stendhal, em Flaubert abundam a frivolidade e a hipocrisia; e as personagens que povoam suas páginas são movidas pelos instintos mais baixos e os interesses mais escusos. É significativo que uma das figuras mais frequentes no Realismo seja a do alpinista social, exemplificado por Julien Sorel e Eugène de Rastignac.

Isso me faz refletir sobre o posto de Machado de Assis, oriundo da mesma escola, como mestre supremo das letras brasileiras. Ele goza de todas as qualidades de seus primos europeus e muitas outras, mas padece da mesma limitação moral. Talvez por isso, mais que por qualquer outra razão, volta e meia se erga uma voz trêmula, insegura, contestando a legitimidade do pódio.

Não me parece à toa que Guimarães Rosa seja, não raro, o substituto proposto, dado que é exatamente onde o campeão fraqueja que tal desafiante triunfa. Pois é no árido sertão mineiro, mais que na ilustre capital fluminense, que vicejam exemplos de honra, coragem, justiça, amor, fé, dever, abnegação. São esses os sentimentos grandes e nobres que nos redimem enquanto espécie e que nos arrancam das garras prostrantes do niilismo.

E é preciso arrancarmo-nos delas, pois o tratamento apoteótico de Machado e de sua representação seríssima da realidade é reflexo de um país que desistiu de dar certo. Não é necessário explicar a terrível capitulação, pois ela está no ar, e a todos nos sufoca. Para revertê-la, é preciso que nossa literatura mais elevada não prime por nos rebaixar.

Tudo considerado, é até possível que Machado seja mais escritor que Rosa. Mas Riobaldo é mais herói que Bentinho, e, no clima e no tempo atuais, é de heróis que o Brasil precisa.

--

--