Noite de pizza

Conto autoral

Abreu Ferreira
3 min readDec 19, 2022

Agora eu tenho vinte e três, deve ter sido há uns dez anos, por aís. A gente estava de férias, não sei de começo ou de fim de ano. Acho que de meio, porque estava frio. Você tinha saído para comprar pizza, e fiquei eu e o Victor na sala jogando aquele console que tinha Mario, tinha Sonic… Vinha com uns cem, duzentos jogos embutidos, nem lembro mais. Aliás, deixa eu te perguntar uma coisa: aquele console era pirata? Dia desses fui pesquisar e não achei nada. Entendi. Não, não é julgando não, só curiosidade.

Mas então, eu lembro que a gente estava jogando Elevator, um jogo de plataforma em que você fica subindo de elevador e dando tiro nos capangas. Lembro que eu estava jogando há um tempão, já era para eu ter passado o controle para o Victor, mas ele tinha ido ao banheiro e estava demorando. Aí ouvi ele gritando e pensei: é barata, né? Mas ele veio correndo e se tacou nesse sofá aqui, ficou chorando. Falei: “Ô Vitão, vai chorar por causa de barata?” Naquela época ele chorava por qualquer coisa, lembra? Pois é, foda.

Como achei que fosse barata, deixei ele lá choramingando e continuei jogando. Mas aí ele me cutuca e fala o que era: ele já tinha saído do banheiro e estava no nosso quarto, ajeitando o deck dele de Yu-Gi-Oh! para a gente jogar, quando do nada a luz apagou. Não foi a lâmpada que queimou, não; ele tinha até sentido uma presença.

Aí eu fui lá no quarto, o Victor veio junto, e testei o interruptor, vi que não tinha nada. Mas o Victor insistiu que a luz tinha apagado sozinha, e falei que tinha sido eu. Falei que eu era mago, e que tinha feito aquilo para ele tomar um susto e voltar para sala, porque era um desrespeito ele me largar sem avisar para ir fazer outra coisa. Até amarrei um lençol no pescoço, para ficar mais mago. E falei que se ele não voltasse a jogar comigo eu transformava ele num sapo. Aí foi aquela choradeira que você já sabe. Pois é, eu sabia que ele estava sensível para caralho por causa da mamãe e ainda abusava. Eu era mor vacilão. Mas era criança, né?

A gente voltou a jogar Elevator com a regra de que quem morresse não sei quantas vezes primeiro virava sapo. Aí chegou a vez do Victor, eu queria passar o controle para ele, mas ele não queria pegar; se morresse mais uma vez virava sapo. Ele esperneou, e eu disse que se não jogasse virava sapo do mesmo jeito. Aí nessa hora, foi bem numa hora que o Victor estava soltando um berro, nessa hora meu coração gelou, porque o ventilador ligou sozinho. E, quando eu levantei para ver, estava fora da tomada.

Aí sim o mundo acabou. Saí eu e o Victor correndo, a gente se enterrou debaixo das cobertas, até rezamos, e ficamos ali escondido até você chegar. Lembro que você chegou reclamando da bagunça, a gente tinha quebrado não sei o quê na correria. Um vaso, né? Nossa, é verdade! Depois você ficou até separando a terra dos cacos para levar para a vovó, né? Doideira.

Onde é que eu estava?

Ah, sim. Obrigado. Eu queria sair para te ver, mas o Victor me segurou, falou que era o fantasma te imitando. E ficamos esperando até você vir e levantar a coberta. Aí foi um alívio, você deu bronca na gente, mas depois que a gente contou a história você ficou calmo. E era exatamente aí que eu queria chegar. Quando a gente estava na mesa comendo pizza, a gente estava comendo calado, e você lá sorrindo sozinho. E quando o Victor foi perguntar por que você estava sorrindo, você começou a chorar. Chorar para valer, de soluçar e tudo. Está lembrado? Então, eu queria te perguntar por quê. Eu sempre tive uma teoria, mas nunca tinha perguntado.

Quer contar, ou eu falo a teoria primeiro?

Está bom, então eu falo.

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