O Pequeno Príncipe (2/27)

Tradução do livro “Le Petit Prince”, de Antoine de Saint-Exupéry

Abreu Ferreira
4 min readJul 10, 2018

CAPÍTULO II

Assim eu vivi a sós, sem ninguém com quem conversar de verdade, até uma queda no Deserto do Saara, há seis anos. Alguma coisa no meu motor tinha quebrado. E como eu não levava comigo nem um mecânico, nem passageiros, eu me preparei para tentar, eu mesmo, um conserto difícil. Era para mim uma questão de vida ou morte. Eu mal tinha água para beber por oito dias.

Na primeira noite eu portanto adormeci na areia a mil milhas de qualquer terra habitada. Eu estava bem mais isolado que um náufrago em uma jangada no meio do oceano. Então você imagina minha surpresa, ao nascer do sol, quando uma vozinha engraçada me acordou. Ela disse:

– Por favor… Me desenha uma ovelha!

– Hein!

– Me desenha uma ovelha…

Saltei sobre meus pés como se tivesse sido atingido por um relâmpago. Esfreguei bem meus olhos. Olhei bem. E vi um camaradinha de fato extraordinário que me encarava com seriedade. Eis o melhor retrato que, mais tarde, consegui fazer dele:

Mas meu desenho, com certeza, é muito menos interessante que o modelo. Não é minha culpa. Eu fui desencorajado de minha carreira de pintor pelas pessoas grandes, aos seis anos, e não aprendi a desenhar nada, salvo as jiboias fechadas e as jiboias abertas.

Olhei então essa aparição com os olhos todos redondos de espanto. Não se esqueça que eu me encontrava a mil milhas de qualquer região habitada. Ainda, meu pequeno camarada não me pareceu nem perdido, nem morto de fatiga, nem morto de fome, nem morto de sede, nem morto de medo. Ele não tinha em nada a aparência de uma criança perdida no meio do deserto, a mil milhas de qualquer região habitada. Quando finalmente consegui falar, eu lhe disse:

– Mas… que é que cê faz aqui?

E ele me repetiu então, bem delicadamente, como uma coisa muito séria:

– Por favor… me desenha uma ovelha…

Quando o mistério é grande demais, nós não ousamos desobedecer. Assim por mais absurdo aquilo que me parecesse a mil milhas de qualquer lugar habitado e em perigo de morte, tirei do meu bolso uma folha de papel e uma caneta-tinteiro. Mas me lembrei então que eu estudei principalmente Geografia, História, Cálculo e Gramática e eu disse ao camaradinha (um pouco mau-humorado) que eu não sabia desenhar. Ele me respondeu:

– Isso não tem importância. Me desenha uma ovelha.

Como eu nunca tinha desenhado uma ovelha antes eu refiz, para ele, um dos dois únicos desenhos dos quais era capaz. O da jiboia fechada. E fiquei estupefato de ouvir o camaradinha me responder:

– Não! Não! Eu não vejo mais que um elefante dentro de uma jiboia. Uma jiboia é perigosa demais, e um elefante é pesado demais. Na minha casa é tudo pequeno. Eu preciso de uma ovelha. Me desenha uma ovelha.

Então eu desenhei.

Ele olhou com atenção, então:

– Não! Essa já está doente demais. Me faz outra.

Desenhei:

Meu amigo sorriu gentilmente, com indulgência:

– Veja bem… isso não é uma ovelha, é um carneiro. Ele tem chifres…

Então refiz novamente meu desenho:

Mas ele foi recusado, como os anteriores:

– Esse já é velho. Quero um que viva por bastante tempo.

Então, esgotado de paciência, já que eu tinha pressa de começar a desmontagem do meu motor, rabisquei esse desenho aqui:

E lancei:

– Essa é a caixa. A ovelha que você quer está dentro.

Mas fiquei bastante surpreso de ver se iluminar a face de meu jovem juiz:

– É assim mesmo que eu queria! Você acha que essa ovelha vai precisar de muita grama?

– Por quê?

– Porque minha casa é muito pequena…

– Vai servir com certeza. Eu lhe dei uma ovelha bem pequena.

Ele inclinou a cabeça sobre o desenho:

– Não tão pequena… Olha! Ela está dormindo…

E foi assim que conheci o pequeno príncipe.

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